sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Concurso público: a minha experiência e a experiência do marido

Pediram pra eu falar sobre concurso, então vamos lá. Com uma observação: existem milhares de cargos (literalmente) no serviço público brasileiro. Eu só posso falar sobre os nossos, no executivo federal.

Pra mim, a experiência concurso/cargo pública foi ótima. Sempre fui caxias e gostei de estudar, então a parte preparatória se deu tranquilamente, inclusive porque eu morava com meus pais, eles pagavam minhas contas, e eu não precisava trabalhar.

Como eu me formei em direito, tentei concursos na área jurídica (ao mesmo tempo em que fazia comunicação social). Sim, rolava uma pressão parental.  Mas eu só começava a me preparar pra ser juíza/promotora quando saía o edital, em torno de 2 meses antes da prova. Então, eu estudava empolgadamente, mas é claro que não dava tempo de ver a matéria toda e eu não passava.

No último ano do curso de comunicação, meu pai sugeriu que eu fizesse um concurso de nível superior não-jurídico. Eu estava doida pra arrumar um emprego, casar e sair de casa, então encarei. De novo, o edital tinha acabado de sair, mas a soma dos estudos anteriores com um conteúdo menor deu certo e eu passei.

Aí apareceu o primeiro perrengue: não tinha vaga em Belo Horizonte (onde eu e o noivo morávamos), só no interior. No edital estava bem claro que as vagas estavam espalhadas pelo estado, mas eu tinha preferido ignorar esse fato. Então, primeiro requisito de quem faz concurso público: esteja disposto a se mudar. Caso contrário, você vai ficar restrito a pouquíssimas vagas - ou vai sofrer horrivelmente quando tiver que sair da sua cidade. Eu sei porque tive colegas que sofreram horrivelmente por trabalharem a 3 horas de Belo Horizonte. Gente que passou 3 anos reclamando e voltando pra BH todo fim de semana (a boa notícia é que, no fim desse prazo, todo mundo conseguiu transferência).

Eu nunca tinha pensado em deixar minha cidade natal e confesso que fiquei chateada quando fiquei sabendo que ia precisar. No fim das contas, foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Tendo arrumado emprego, eu me casei, e a gente começou a vida a dois longe das famílias, que são ótimas e bem-intencionadas, mas acabam interferindo, né? Havia uma certa latitude na hora de escolher a lotação, e eu escolhi a cidade que tinha empresas grandes, de maneira que o Leo, que é da área de informática, arrumou emprego num instante. 

Fui trabalhar em um lugar ótimo, cheio de gente competente, legal e caxias. Fala-se muito em funcionário público que trabalha pouco, mas eu não vi nenhum nos primeiros anos da minha carreira. Me adaptei rápido à cidade, que tinha poucas opções de lazer, mas era segura e barata. A gente tinha conforto, bons salários e um ao outro - o que mais a gente podia querer?

Uns anos depois, vendo a minha satisfação profissional, o Leo decidiu fazer concurso público também. Deixou o emprego, voltou pra faculdade (ele tinha largado o curso de economia no meio), se formou em Sistemas de Informação em tempo recorde (ele fazia aula no turno da manhã e da noite) e começou a se preparar. Fez concurso na área dele, para trabalhar em Brasília (porque a gente sabia que seria fácil eu conseguir transferência pra lá). Pouco mais de um ano após a formatura, ele estava tomando posse.

O Leo começou a trabalhar muito contente, mas deu um azar danado. Caiu em um ministério cheio de cargos de comissão (aquele para os quais não há concurso - a pessoa é nomeada pelos chefões) que não tinham o menor compromisso. As coisas não andavam, os problemas não eram resolvidos, e ele se frustrou muito tentando mudar as coisas. Ele conseguiu trocar de setor, mas a situação não melhorou.

Enquanto isso, eu passava por altos e baixos. Em Brasília, participei de projetos grandes e transformadores, e projetos que não saíam do lugar. Trabalhei com gente competentíssima e dedicada - e com gente que não queria nada com a dureza. Por causa desses últimos, briguei, me desgastei, passei raiva - e saí de lá sem ter certeza de ter conseguido muita coisa.

Na época em que decidimos vender tudo e sair viajando, no entanto, a gente ainda estava em lua de mel com nossos empregos. Não tínhamos esses cargos com os quais o pessoal sonha nos fóruns de discussão (auditor da Receita Federal, delegado da Polícia Federal, gestor do Ministério do Planejamento), mas sempre achamos que ganhávamos bem (tem de comparar com a média da população brasileira, não com o Eike Batista, né, gente?). Outras vantagens: carga semanal de 40 horas, sem hora extra, férias que dá pra marcar com antecedência (no setor privado, tem chefe que acha que você tirar férias é uma ofensa pessoal), e a possibilidade de licença sem remuneração por um período prolongado, que é o luxo dos luxos (no meu caso. No ministério do Leo, eles não dão de jeito nenhum. Então ele pediu pra sair.)

Cada experiência é pessoal e única: se alguém me perguntar se deve fazer concurso público, eu vou responder um entusiástico "sim". O Leo vai responder um ponderado "talvez". Eu percebo que muita gente foca no concurso (assim como muita gente foca na festa de casamento) e esquece que, depois dele, tem uma carreira pela frente (sim, você vai viver com a pessoa com a qual se casou).

Eu acho que a vida é muito curta pra gente gastar a maior parte do dia em um trabalho que odiamos. Por outro lado, um emprego no qual você usa suas habilidade e competências, num ambiente em que te respeitam, e que ainda paga bem, é uma grande conquista, e não um fardo.

Uma das razões do sabático é descobrir se eu tenho uma grande paixão profissional, que me faria passar muitas horas do dia numa grande satisfação. A remuneração não é tão importante - dando pra viver e guardar um tanto pra aposentadoria, tá valendo. Já pensei diferente, mas o minimalismo me ajudou a reordenar as minhas prioridades.

Infelizmente, até agora não fui tomada por nenhum relâmpago de inspiração.

10 comentários:

  1. Eu já tive uma certa fantasia de que quando ficasse mais velha iria trabalhar em algo que eu realmente gostasse. Era o equivalente da criança que diz "quando eu crescer vou fazer tal coisa...". Pois é, eu cresci, digo fiquei 20 anos mais velha, e me dei conta que trabalho é trabalho, e eu trabalho porque preciso, não porque gosto. Não que eu odeie o trabalho, longe disso, mas é trabalho, não é lazer. Não é um fardo, não não é algo que eu vá fazer se não precisar (tipo assim, ganhar na loteria ou ter tempo para me aposentar).

    Eu passei no meu primeiro concurso (técnico do tesouro, quando ainda era nível médio), meio por acidente, porque estudei só alguns dias. Não que o concurso em si fosse fácil, mas eu dominava grande parte do conteúdo e estava no pique de final de faculdade. Não precisei me mudar, porque consegui ficar na minha cidade. Mas o trabalho em si era ruim, muito atendimento ao público, o ambiente era mais ou menos, porque tinha um preconceito muito grande com o pessoal de nível médio (sendo que muitos dos que tratavam o pessoal de nível médio mal tinham vindo do mesmo cargo através de concurso INTERNO). Então eu não via a hora de sair de lá. Quando consegui fazer uma atividade um pouco melhor, enfrentei um monte de problemas com as chefias, foi um horror. Daí penei 5 anos para passar em um concurso de nível superior. De novo, não precisei sair da minha cidade, mas eu estava preparada para isso. Hoje trabalho na minha área, em um lugar com um ambiente legal, com respeito e um ótimo salário.

    No meu ponto de vista, vantagens:
    -carga horária fixa, sem hora extra
    -planejamento de férias, como a Lud colocou
    -ESTABILIDADE

    Desvantagens:
    -dificuldade para passar, tem que estudar MUITO para passar em alguns concursos
    -falta de dinamismo (as coisas são MUITO lentas nos órgãos públicos)
    -horário mais rígido (em algumas carreiras não tem redução de carga horária nem possibilidade de fazer horário flexível).

    O ambiente de trabalho e o trabalho em si é questão de sorte, pode cair em um lugar legal ou não.

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  2. Credo, o meu comentário ficou quase do tamanho do post. Desculpa por ser tão espaçosa.

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    1. Daniela, eu adoro comentários longos! E o seu foi ótimo.

      Que bom que agora você está num lugar bacana e bem remunerado!

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  3. Sua post caiu bem no dia em que fui me matricular no cursinho!
    Eu vinha estudando em casa, mas de uns tempos pra cá o ânimo foi ficando cada vez mais escasso então apelei pro cursinho presencial pra me obrigar a ter mais disciplina nos estudos.
    Eu não tenho sonhos românticos sobre ser concursada, mesmo pq sou filha de funcionário público. Porém as vantagens citadas por vc e pela Daniela aí no comentário me atraem muito, mas sei que a rotina pode guardar surpresas. Estou na turma que tá pagando pra ver. Correndo atrás dos editais de Tribunais!
    Obrigada pelo post!

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    1. Que legal, Iracema!
      Força nos estudos que uma hora a fila anda!

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  4. Acho que mesmo a paixão profissional não garante 100% de satisfação no dia-a-dia, isso não existe. Imaginemos um arquiteto que adore o que faz, que seja mesmo vocacionado pra isso. Talvez ele adore fazer o projeto, mas não curta a parte de apresentá-lo ao cliente. Talvez ele goste mesmo é de acompanhar a obra andando, ver sua idéia tomando forma, e não goste de fazer todos aqueles projetos executivos cheios de detalhes técnicos. Enfim, esse arquiteto não está satisfeito com seu trabalho 100% do tempo.
    A questão do ambiente de trabalho é muito relativa. Quando se trabalha numa empresa pública, por exemplo, no correr do tempo passa-se por diversas equipes, por diversas chefias. Uns são legais, outros não, temos que conviver com isso, assim é a vida. Em algumas dessas equipes fazemos grandes amigos, em outras as relações são impessoais, e segue-se em frente.
    Acho que temos que gostar de nosso trabalho "no geral" - ele não pode ser um sofrimento. E a medida que progredimos, passamos a ter condições de escolher um pouco mais. Aquele arquiteto, por exemplo, poderá contratar alguém pra fazer a parte mais chatinha dos projetos...

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  5. Acho que mesmo a paixão profissional não garante 100% de satisfação no dia-a-dia, isso não existe. Imaginemos um arquiteto que adore o que faz, que seja mesmo vocacionado pra isso. Talvez ele adore fazer o projeto, mas não curta a parte de apresentá-lo ao cliente. Talvez ele goste mesmo é de acompanhar a obra andando, ver sua idéia tomando forma, e não goste de fazer todos aqueles projetos executivos cheios de detalhes técnicos. Enfim, esse arquiteto não está satisfeito com seu trabalho 100% do tempo.
    A questão do ambiente de trabalho é muito relativa. Quando se trabalha numa empresa pública, por exemplo, no correr do tempo passa-se por diversas equipes, por diversas chefias. Uns são legais, outros não, temos que conviver com isso, assim é a vida. Em algumas dessas equipes fazemos grandes amigos, em outras as relações são impessoais, e segue-se em frente.
    Acho que temos que gostar de nosso trabalho "no geral" - ele não pode ser um sofrimento. E a medida que progredimos, passamos a ter condições de escolher um pouco mais. Aquele arquiteto, por exemplo, poderá contratar alguém pra fazer a parte mais chatinha dos projetos...

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  6. Comecei a pesquisar comentário sobre a satisfação com o serviço público e encontrei seu post. Foi bom ter lido sobre sua experiência pq estou passando por uma situação muito triste. Trabalhei por 20 anos numa empresa pública que foi privatizada. Por incrível q pareça era uma empresa que, hoje vejo, vivia na vanguarda. Com a privatização fomos dispensados. Eu entrei nesta empresa com 17 anos e saí com 37. Neste tempo fiz faculdade e sempre trabalhei com rotinas administrativas. Trabalhei na iniciativa privada até que passei num concurso de agente administrativo na prefeitura da minha cidade. Logo descobri que cai numa cilada: o concurso havia sido divulgado como sendo para toda a prefeitura mas na verdade era para cobrir um convênio irregular da área da saúde para a função de recepcionista de centro de saúde que foi denunciado pelo Ministério Público. Eu passei em 38o lugar e peguei uma das piores vagas. Quem passou em 200o lugar está sendo chamado para trabalhar no Paço. No dia da atribuição das vagas, qdo disseram que era só para recepção de CS quase tive um colapso pois sabia da minha dificuldade em trabalhar com atendimento ao público e já tinha pedido demissão de um emprego que eu adorava (mas pagava pouco). Num instante tive que decidir. Acabei ficando. Em 4 meses fui parar num psiquiatra e fiquei afastada 45 dias. Só chorava e me sentia completamente incapaz de lidar com a minha escolha e estando em estágio probatório, nada poderia ser feito. Com 8 meses, devido as péssimas condições de trabalho, tenho dores terríveis na coluna e uma tendinopatia no ombro. Em toda a minha trajetória profissional só me afastei 2 vezes: uma qdo quebrei a mão numa queda e outra para operar a garganta. Nunca precisei ir a médicos a não ser nas rotinas. Hoje vivo doente e sem perspectiva. Hoje estou com 44 anos e vejo que a estabilidade de nada valerá se estiver com a saúde comprometida.... Com saúde posso ter outro emprego ou até prestar outro concurso. Descobri que o serviço público não deve ser a única meta e não podemos achar que é a "salvação da lavoura". Hoje ganho mais, mas o que ganho está indo para pagar médicos particulares pois perdi meu convênio qdo fui para a prefeitura. Infelizmente, no meu caso, o serviço público não está valendo a pena....

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    1. Nossa... Que história triste. Sinto muitíssimo por você...Talvez seja melhor repensar sua vida, não? Se ainda te faz mal, pense se vale a pena. Não desanima não que a gente, na vida, sempre pode começar de novo. Boa sorte :)

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  7. Nossa muito interessante esse seu relato, estive pensando seriamente em estudar com mais dedicação para concurso público, já que até hoje eu nunca levei a sério e até cheguei a fazer prova uma vez, mas preciso me dedicar mais. Obrigado mesmo pela postagem, muito interessante. Abraço!

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